Aung San Suu Kyi, de 75 anos, está em prisão domiciliar. Os militares fizeram seis acusações contra ela. O país vive um conflito desde o golpe de Estado dado por uma junta militar em fevereiro de 2021. Aung San Suu Kyi, líder de Mianmar, durante audiência no caso levado pela Gâmbia contra o país à Corte Internacional de Justiça da ONU, em Haia, na Holanda, no dia 14 de janeiro.
Yves Herman/Reuters
Aung San Suu Kyi, ex-dirigente política de Mianmar e ganhadora do Nobel da Paz, começou a ser julgada nesta sexta-feira (1º). Ela é acusada de corrupção e foi afastada da vida pública no início do ano, após um golpe militar. Confrontos entre militares no poder e resistência têm se intensificado.
Se for considerada culpada, a ex-conselheira de Estado pode ser condenada a 15 anos de prisão por ter aceito, segundo acusações da Junta Militar que atualmente controla o país, mais de 500 mil euros e barras de ouro em subornos.
As acusações são consideradas “ridículas” por pessoas próximas a Suu Kyi, para quem o processo teria o objetivo de afastar a líder da oposição à Junta no poder de maneira definitiva da vida política (leia mais sobre o golpe de Estado adiante nesta reportagem).
Sem Suu Kyi, os representantes da oposição em Mianmar têm dificuldades em se fazer ouvir e acabaram mobilizando uma resistência armada, levando algumas zonas do país à guerra civil, principalmente na fronteira com a Índia.
A resistência não consegue fazer as alianças necessárias com líderes étnicos, segundo May Oo Mutraw, analista político exilado na Tailândia. A esperança reside nos jovens do país, mais do que na oposição.
Um manifestante segura um pôster com a imagem da líder civil detida Aung San Suu Kyi durante uma vigília à luz de velas para homenagear aqueles que morreram durante as manifestações contra o golpe militar em Yangon em 13 de março de 2021.
STR / AFP
“Mianmar está em chamas. É difícil manter a esperança, mas o que é encorajador é que a juventude continua a resistir à ditadura e à agressão. Se nós encontramos meios de apoiar a juventude, então damos talvez uma chance à democracia”, afirma.
A oposição também tem dificuldade em conseguir o reconhecimento da comunidade internacional. Um comitê da Assembleia Geral da ONU deveria se pronunciar esta semana para saber se o país estaria representado por um enviado da Junta militar ou por um opositor. A decisão ficou em suspenso.
Violência
Oito meses após o golpe militar contra o governo civil de Aung San Suu Kyi, a Junta no poder é confrontada a um acúmulo de ações violentas contra suas tropas realizadas por resistentes determinados, mas pouco numerosos, a conseguir desestabilizar realmente os militares no poder.
“Temos que ser sábios em nosso timing e no plano”, declarou à agência France Presse um membro da Força de defesa do povo local após um enfrentamento, em 25 de setembro, na pequena cidade de Gone Nyin, no noroeste de Mianmar.
Cinco soldados morreram no ataque e cerca de 10 resistentes nas represálias dos militares.
VÍDEO: Militares tomam o poder em Mianmar e lideranças são presas
Confrontos similares entre as milícias anti-militares e as tropas da Junta se multiplicaram nas últimas semanas, acompanhados de explosões de bombas e de assassinatos que tinham como alvo colaboradores do regime. Os ataques levaram a represálias violentas dos dois lados.
Na semana passada, a imprensa local indicou que uma família inteira foi assassinada, incluindo uma criança de 12 anos, por ter supostamente ajudado as tropas durante buscas por manifestantes.
Os dissidentes também atacaram e colocaram fora de serviço antenas de uma empresa de telefonia celular do Exército.
Um “governo paralelo” composto em grande parte por ex-deputados do partido de Aung San Suu Kyi convocou uma “guerra defensiva” contra as tropas e os bens da Junta.
Em Thantlang, no oeste do país, a maioria da população fugiu quando o Exército bombardeou a cidade, após confrontos com os resistentes, em setembro, declarou à France Presse um morador de 50 anos, sob anonimato.
Os moradores atravessaram rios e montanhas para chegar à Índia, onde foram levados para campos de refugiados.
Do outro lado do país, no estado de Kayah (no leste), as pessoas também fugiram de bombardeios do Exército após enfrentamentos no começo da semana, segundo uma milícia anti-militar local.
Impasse
Desde o golpe de estado em 1° de fevereiro, mais de 1.100 civis foram assassinados e quase 8.000 foram presos, segundo observadores locais. A Junta afirma que o número de mortos é bem inferior e nega que as tropas tenham cometido massacres e incendiado casas.
Os militares intensificaram a violência para “esmagar a dissidência e impedir o movimento de resistência de ganhar terreno” depois que o “governo paralelo” fez um chamado às armas, declarou à AFP Manny Maung, pesquisadora da ONG Human Rights Watch.
Enquanto a violência aumenta, a ex-símbolo da democracia Aung San Suu Kyi, de 76 anos, se encontra em prisão domiciliar, praticamente ausente da cena pública. Seus contatos com o mundo exterior se limitam a reuniões com seus advogados antes das audiências do processo, diante do tribunal da Junta.
Adepta da não violência, ela foi superada por opositores que consideram que somente a violência pode por fim à dominação militar sobre a política e a economia do país. “Uma grande parte da população está determinada a impedir um retorno ao regime militar, pagando com a própria vida, se necessário”, declarou Richard Horsey da International Crisis Group. “Tudo indica um impasse violento durável”.
Na região de Sagaing (centro), palco de intensos confrontos recentes, não existe visibilidade para uma saída do conflito. Os agricultores “não podem mais plantar comida em suas terras”, declarou à AFP um monge budista da cidade de Kani.
“Eles devem correr e se esconder sempre”, disse o monge, que preferiu não ter sua identidade revelada. “Eles estão cansados, mas eles não gostam dos militares”.
Fonte: G1 Mundo