Restrições para mulheres e fuga em massa: veja em 7 pontos como está o Afeganistão 1 mês após a retirada dos EUA

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Veja o que mudou após a saída das tropas americanas e o fim das duas décadas de ocupação estrangeira no país, agora sob o controle do grupo extremista Talibã. Uma bandeira do Talibã é colocada na frente de uma motocicleta em Cabul, Afeganistão, em foto de 28 de setembro de 2021
Bernat Armangue/AP
Na noite de 30 de agosto de 2021, uma segunda-feira, as tropas americanas deixaram o Afeganistão e puseram fim, oficialmente, às duas décadas da guerra mais longa dos Estados Unidos.
O último soldado deixou o aeroporto internacional de Cabul por volta da meia noite, minutos antes da data limite estabelecida pela Casa Branca para o fim da operação, dia 31 de agosto.
EUA e aliados corriam contra o tempo desde que o Talibã tomou a capital afegã em 15 de agosto para poder retirar suas equipes diplomáticas, civis e militares do país centro-asiático.
Nas primeiras horas da madrugada de 31 de agosto, o grupo extremista celebrou o fim da ocupação e afirmou que a data passaria a marcar a “independência” do Afeganistão.
Em 30 dias um novo governo foi formado – apenas com homens –, mulheres tiveram seus direitos restringidos e milhares tentam ainda abandonar o país.
O g1 elenca, em 7 pontos, o que marcou o primeiro mês após a retirada americana:
Com a rápida retirada, americanos e aliados ficaram para trás
Afegãos tentam fugir pela fronteira com Paquistão
Último refúgio da resistência afegã, os talibãs tomam o Vale do Panjshir
Aumenta o risco para a presença de grupos terroristas
100% homens: governo talibã é anunciado sem a participação feminina
Mulheres afegãs voltam a ter restrições para poder trabalhar e estudar
Aumento da repressão e anúncio de leis e punições mais duras
1. Com a rápida retirada, americanos e aliados ficaram para trás
Avião militar dos EUA decola do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, em 30 de agosto de 2021, pouco antes do fim do prazo de retirada das tropas do país.
Wali Sabawoon/AP
Americanos e aliados precisaram abandonar o país às pressas e cenas caóticas foram registradas no aeroporto internacional de Cabul nos últimos dias de ocupação.
Segundo o governo dos EUA, mais de 120 mil cidadãos americanos foram retirados do país apenas nas duas últimas semanas de operação – no entanto, não há um número exato de quantos aliados afegãos podem ainda ter ficado no país.
O International Rescue Committee, organização que presta assistência a pessoas em áreas de conflito, estima em mais de 300 mil o número de afegãos que trabalharam em favor dos EUA desde 2001, data do início da ocupação.
O Pentágono também afirmou que cerca de 200 pessoas com nacionalidade americana ainda permaneciam no Afeganistão – mas o número pode ser ainda maior, por haver muitas pessoas com dupla cidadania.
O governo americano cobra do regime Talibã que cidadãos e afegãos com vistos humanitários possam deixar o país em segurança. O grupo extremista diz que garante a segurança dos viajantes, mas há relatos de perseguições e impedimentos para seguirem viagem.
2. Afegãos tentam fugir pela fronteira com Paquistão
Afegãos na fronteira com o Paquistão em foto de 31 de agosto de 2021
AP
Ao mesmo tempo que os EUA abandonavam o controle do aeroporto de Cabul, mais de 20 mil pessoas tentavam cruzar para o Paquistão, país com o qual o Afeganistão compartilha 2.570 km de fronteira.
Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), em seis meses de 2021, mais de 500 mil cidadãos abandonaram o país e o número só tem aumentado. A fronteira paquistanesa recebe diariamente cerca de 20 mil pessoas – o triplo do que estava acostumada.
A agência da ONU estima que mais de 2 milhões de refugiados afegãos vivam atualmente nos países vizinhos Irã e Paquistão. A Acnur também estima que mais 500 mil refugiados deixem o Afeganistão nos próximos meses.
3. Último refúgio da resistência, os talibãs tomam o Vale do Panjshir
Vista do vale do rio Panjshir, em foto de 21 de maio de 2011, tirada do ponto de vista da tumba de Ahmad Shah Massoud. Estudante de engenharia da Universidade de Cabul, Massoud se tornou líder militar que desempenhou um importante papel na expulsão do exército soviético do Afeganistão
Master Sgt. Michael O’Connor
Com o controle da capital Cabul, em 15 de agosto, os talibãs declararam ter retomado o Afeganistão 20 anos após serem expulsos do poder pelos EUA. No entanto, mesmo após a retirada dos americanos, uma última província ainda resistia ao novo regime: o Vale do Panjshir.
O vale montanhoso a cerca de duas horas de carro da capital Cabul foi a única das 34 províncias do Afeganistão que se mantinha livre do controle do Talibã.
A capital de Panjshir é Bazarak, que fica a 120 km a nordeste de Cabul, e a região é um vale íngreme e montanhoso de difícil acesso.
O povo do Vale do Panjshir é de uma etnia diferente dos pashtus, que são maioria dentro do Talibã. Quando o Talibã dominou o Afeganistão pela primeira vez, entre os anos de 1996 e 2001, houve resistência no Vale do Panjshir.
No início de setembro, o Talibã anunciou que assumiu o controle total do vale.
4. Aumenta o risco para a presença de grupos terroristas
Soldado do Talibã monta guarda em 27 de agosto de 2021 no local dos dois atentados suicidas que mataram dezenas de pessoas, incluindo 13 soldados americanos, no aeroporto internacional de Cabul em 26 de agosto de 2021
Wakil Kohsar/AFP
Em meio à atribulada retirada americana do país, membros do grupo terrorista Estado Islâmico organizaram um ataque em uma das entradas do aeroporto de Cabul deixando dezenas de mortos.
O ataque evidenciou a presença de grupos terroristas no país, o que gera uma preocupação internacional de que o Afeganistão, sob o regime talibã, se torne uma área “segura” para esses grupos, como foi com a Al Qaeda.
A luta contra a organização terrorista Al Qaeda, responsável pelos ataques do 11 de Setembro, foi o principal motivo da invasão ao Afeganistão em 2001.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) alertou o Talibã dizendo que o grupo não deve permitir que o Afeganistão se torne um terreno fértil para o terrorismo novamente. A aliança militar disse ainda que pode atacar qualquer grupo terrorista a distância.
5. 100% homens: governo talibã é anunciado sem a participação feminina
Porta-voz do Talibã dá entrevista coletiva em Cabul em 17 de agosto de 2021
Rahmat Gul/AP
Os líderes talibãs vieram anunciando, durante todo o mês de setembro, nomes que integrarão o governo do Afeganistão – e mantiveram um alto escalão 100% masculino.
A primeira parte do governo havia sido anunciada no dia 7, apenas com líderes históricos do grupo extremista.
O governo é composto apenas por homens e não há mais um ministério dedicado às mulheres, ao contrário do que ocorria no governo anterior, derrubado pelo Talibã.
6. Mulheres afegãs voltam a ter restrições para poder trabalhar e estudar
Alunos da Universidade Avicenna, em Cabul, em imagem divulgada em redes sociais
Reprodução/Via Reuters
As aulas no Afeganistão foram interrompidas em agosto, quando o Talibã voltou ao poder após 20 anos, antes mesmo da retirada das tropas estrangeiras do país e do fim da ocupação americana.
Desde então, as meninas do ensino fundamental e as universitárias já retornaram às aulas, mas com restrições, começando pela separação dos alunos homens.
Além disso, há diversos relatos de mulheres que precisaram abandonar seus postos de trabalho e entregá-los a parentes homens. Isso mesmo com o regime tendo afirmado que as mulheres não seriam impedidas de trabalhar e de frequentar a escola.
Mas isso não é o que vem sendo feito. O reitor indicado pelos talibãs para a Universidade de Cabul anunciou que mulheres e professoras serão proibidas nos cursos da instituição.
O grupo extremista já esteve no poder uma vez antes, entre 1996 e 2001, e nesses anos as mulheres não podiam estudar – elas não podiam nem mesmo andar em público se não estivessem acompanhadas de um parente homem.
7. Aumento da repressão e anúncio de leis e punições mais duras
Jornalistas afegãos mostram marcas após serem detidos por talibãs por cobrirem protesto feminino em Cabul em 10 de setembro de 2021
Bernat Armangue/AP
A ONU afirmou no início do mês que ao menos quatro pessoas foram mortas na violenta repressão do Talibã a uma manifestação pacífica em Cabul e denunciou que a resposta do grupo aos protestos tem sido cada vez mais violenta, com o uso de munição real, cassetetes e chicotes.
Protestos, sobretudo os liderados por mulheres, representam um desafio para o novo governo do Talibã, que está tentando passar uma imagem de maior moderação ao Ocidente (apesar de a realidade confrontar o discurso do grupo extremista).
O Talibã também é acusado de agredir e prender jornalistas que cobriam a mesma manifestação. Taqi Daryabi e Neamat Naghdi ficaram com ferimentos nas costas, nas pernas, no ombro e no braço, além de hematomas e cortes nos rostos (veja na foto acima).
Além disso, na semana passada, um dos fundadores do talibã e chefe do grupo que controla a aplicação da Sharia, em uma interpretação extremista da lei islâmica no país, afirmou que amputações e execuções voltarão a acontecer no Afeganistão.
Em entrevista a agência de notícias “Associated Press”, o mulá Nooruddin Turabi afirmou que as punições severas – aplicadas a assaltantes e adúlteros, por exemplo – que durante os anos 1996 e 2001 aconteciam em estádios, voltarão a ocorrer, mas de forma privada.
“Ninguém vai dizer para a gente como devem ser nossas leis”, afirmou o religioso. “Nós vamos seguir o islã e legislar a partir do Corão.”

Fonte: G1 Mundo