Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia agora têm governos social-democratas. Quais são as implicações dessa mudança e quanto tempo isso pode durar? O líder do Partido Trabalhista da Noruega, Jonas Gahr Støre, segura ramalhete de rosas vermelhas em vigília de seu partido durante apuração de eleições parlamentares, em Oslo, na segunda-feira (13)
Javad Parsa/NTB via Reuters
Com uma campanha focada nas “pessoas comuns”, o líder trabalhista Jonas Gahr Støre encantou o povo norueguês e venceu as eleições gerais no país escandinavo na semana passada.
Com a vitória deste milionário de 61 anos nascido em Oslo, a Noruega não é mais o único país nórdico com um governo conservador. Agora todas as nações da região terão governos social-democratas.
É a primeira vez em mais de 60 anos que a esquerda governa os cinco países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia), admirados tanto por seus indicadores econômicos quanto por seu amplo bem-estar social.
Membros do Partido Trabalhista da Noruega, entre eles o líder Jonas Gahr Støre (de gravata vermelha), comemoram o resultado das pesquisas de boca de urna das eleições parlamentares, em Oslo, na segunda-feira (13)
Javad Parsa/NTB/AFP
Durante décadas, eles registraram altos níveis de riqueza per capita, baixa desigualdade e hoje são os cinco países (junto com Suíça, Alemanha e Holanda) onde as pessoas são mais felizes, de acordo com o Índice de Felicidade Global das Nações Unidas publicado este ano.
E também hoje eles parecem compartilhar o amor pela social-democracia.
Para Haldor Byrkjeflot, professor de sociologia da Universidade de Oslo e especialista em países nórdicos, essa nova “hegemonia de esquerda” é consequência do ressurgimento da popularidade do chamado “modelo nórdico” na região.
O modelo nórdico
“Quase todos os partidos apoiam o modelo nórdico, mas não se pode negar que os social-democratas foram fundamentais (para o desenvolvimento) do modelo”, disse Byrkjeflot à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
O especialista destaca que com a crise da Covid-19, há muito mais ênfase na redução da desigualdade que vem crescendo desde o início da pandemia. Esse é um dos motivos que impulsionou o retorno da esquerda.
O modelo nórdico surgiu em resposta à crise do início dos anos 1930, sob a liderança de governos social-democratas, mas começou a ganhar força durante a grande depressão econômica e social deixada pela Segunda Guerra Mundial.
O modelo gira em torno de um grande Estado de bem-estar que promove mobilidade social e um sistema de negociação coletiva de vários níveis. Pode-se dizer que sua principal característica é a colaboração social.
“O modelo nórdico é baseado na cooperação entre sindicatos, empregadores e o Estado”, explica Haldor Byrkjeflot.
Segundo o sociólogo norueguês, o trabalho conjunto entre essas três forças explica os bons indicadores de igualdade nas sociedades nórdicas.
Alguns, como o ex-primeiro-ministro dinamarquês Lars Løkke Rasmussen, gostariam de lembrar que o modelo nórdico não significa que os países da região sejam socialistas.
“Eu sei que algumas pessoas nos Estados Unidos associam o modelo nórdico a algum tipo de socialismo. A Dinamarca está longe de ser uma economia socialista. A Dinamarca é uma economia de mercado”, disse ele em um discurso na Escola de Governo Kennedy de Harvard em 2015.
Para muitos especialistas, é mais apropriado descrever os países nórdicos como social-democracias.
Uma reação à ‘política de direita’
Johan Strang, professor do Centro de Estudos Nórdicos da Universidade de Helsinque, ressalta que há décadas a Europa e o mundo ocidental têm “se beneficiado e sido prejudicado pelos prós e contras” do neoliberalismo.
“Os benefícios sociais foram reduzidos, alguns serviços de assistência social foram privatizados, propriedades públicas foram vendidas”, disse o acadêmico finlandês à BBC News Mundo.
“A virada para a esquerda é provavelmente uma reação a tudo isso e uma forma de crítica às políticas que os governos de direita implementaram”.
As particularidades variam conforme o país.
Na Finlândia, as privatizações são criticadas e muitos pedem reformas no sistema de saúde misto (privado e público), enquanto na vizinha Suécia persiste o descontentamento com a escassez e o alto preço de moradia, bem como a segregação nas escolas, onde os mais ricos têm melhores condições para escolher os colégios de seus filhos.
Vista de Helsinque, capital da Finlândia; país tem um dos mais altos PIBs per capita e é o ‘mais feliz do mundo’
Ints Kalnins/Reuters
“E na Noruega, as pessoas da periferia das cidades reclamam que foram abandonadas por governos de direita”, observa Strang.
Voltando às suas raízes
Depois de oito anos sob um governo conservador, a esquerda norueguesa voltou ao poder prometendo uma redução de impostos para famílias de baixa e média renda.
Além disso, a esquerda prometeu acabar com a privatização dos serviços públicos, dar mais dinheiro aos hospitais e forçar os mais ricos a pagar mais impostos.
E com essa agenda a vitória foi esmagadora: o Partido Trabalhista e seus dois aliados de esquerda conquistaram 100 dos 169 assentos no Parlamento.
A campanha voltada para “pessoas comuns” valeu a pena.
Oslo, capital da Noruega, em foto sem data
Nancy Bundt/www.visitnorway.com
Os resultados das eleições mostram que a ideia de um governo representando “o povo comum” mais uma vez seduz os nórdicos.
Strang estima que, apesar de o modelo nórdico ter sido “neoliberalizado” nas últimas décadas, ele parece estar voltando às suas origens. “Mas ainda é muito cedo para dizer isso”, esclarece.
Pragmatismo e flexibilidade
Com uma região nórdica politicamente mais homogênea, pode-se pensar que os países estão caminhando na mesma direção.
Mas os especialistas concordam que isso é difícil de prever.
“Ajuda o fato de os países terem governos social-democratas, mas do ponto de vista histórico, os políticos de esquerda da região costumam ter personalidades fortes, que se chocam e eles acabam não se dando muito bem”, lembra Strang, da Universidade de Helsinque.
Foi o caso dos sociais-democratas Paavo Lipponen e Göran Persson, que lideraram a Finlândia e a Suécia, respectivamente, no início dos anos 2000. As diferenças entre os dois líderes eram grandes e eles não fizeram nenhum esforço para escondê-las.
Os partidos de esquerda nas democracias nórdicas também são notáveis por seu pragmatismo e flexibilidade: eles adaptam suas políticas ao longo do tempo e de acordo com suas necessidades.
Enquanto os sociais-democratas na Dinamarca se voltaram contra a imigração, na Suécia e na Noruega eles têm uma abordagem “mais humanística”, lembra Byrkjeflot, da Universidade de Oslo.
A Noruega está em primeiro lugar do Índice dos Bons Países
John O’Nolan/Unsplash
Uma longa era social-democrata?
Atualmente, o sistema político nórdico, como em toda a Europa, está em crise e a questão da gestão da imigração e do tratamento dos migrantes suscita grandes debates.
Os partidos tradicionais têm dificuldade em conquistar o eleitorado e, ao mesmo tempo, os pequenos partidos — alguns deles com uma ideologia mais “extrema” de direita ou esquerda — estão se saindo melhor do que o normal.
Embora o Partido Trabalhista norueguês tenha vencido nas últimas eleições, é graças a outros partidos menores de esquerda, ambientalistas e socialistas, que ele conseguirá formar um governo.
Muitos se perguntam por quanto tempo durará a hegemonia social-democrata nos países nórdicos.
Tudo pode acabar muito em breve. Em 25 de setembro, a Islândia realizará suas próximas eleições legislativas.
As pesquisas preveem que nove partidos ganharão pelo menos uma das 63 cadeiras no Alþingi (o Parlamento islandês), então o quadro será muito misto.
E para governar, uma maioria — direita ou esquerda — terá que formar uma coalizão.
“Não se pode dar como certo que temos uma longa era social-democrata em andamento”, disse Haldor Byrkjeflot. “Mas aqueles que haviam previsto o fim da social-democracia se enganaram.”
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Fonte: G1 Mundo