Presidente completa 4 meses de mandato com uma das melhores imunizações da região, com uma vacinação melhor até que a dos EUA. Popularidade vira principal arma para Guillermo Lasso aprovar reformas estruturais que o Parlamento não quer (e podem terminar em plebiscito). O presidente do Equador, Guillermo Lasso, posa para foto com estudantes da escola Manuela Canizares durante o início do novo ano letivo em Quito, capital do Equador, em 1º de setembro de 2021, com o avanço da vacinação contra a Covid-19 no Brasil
Dolores Ochoa/AP
Em abril do ano passado, o Equador chocou o mundo com as imagens de vítimas da Covid-19 abandonadas nas ruas por falta de lugar nos hospitais e nos cemitérios. As cenas dantescas vinham da cidade de Guayaquil, base eleitoral do presidente Guillermo Lasso, apelidada à altura de Wuhan da América Latina, em referência à cidade chinesa onde foram registrados os primeiros casos do vírus.
Em 24 de maio deste ano, Guillermo Lasso assumiu o poder com uma das suas promessas de campanha: vacinar, em apenas 100 dias, o equivalente a metade da população (9 milhões de pessoas).
“Assumir essa responsabilidade foi uma loucura. Era muito complexo cumprir com essa promessa porque a herança recebida do governo anterior foi muito complicada. A área de Saúde estava totalmente desarticulada”, explica à RFI o cientista político equatoriano Fernando Carrión.
“Foram negociações muito diversificadas. O critério foi a pluralidade sem importar a origem. Lasso replicou o modelo chileno de diversidade de fontes de vacinas”, relembra Carrión, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO).
O Equador teve cinco ministros da Saúde durante a pandemia e tinha vacinado apenas 3% da população, de 17,7 milhões de habitantes.
Inspirado no sucesso do presidente do Chile, Sebastián Piñera, o equatoriano Guillermo Lasso foi à caça das vacinas. Falou com os governos de Estados Unidos, China, Rússia, Espanha e Canadá. Comprou doses e recebeu doações.
Funcionário do departamento forense da cidade de Quito, capital do Equador, aplica desinfetante no corpo de uma mulher que morreu na rua em 14 de maio de 2020
Dolores Ochoa/AP
Virada do jogo
Para aplicar as doses, as zonas eleitorais se tornaram postos de vacinação. Os equatorianos tinham votado em abril e conheciam a sua zona. Lasso aproveitou esse conhecimento e o cadastro de todos os cidadãos acima de 16 anos. Para as localidades mais distantes, usou até as forças armadas.
Em 15 de julho, conseguiu um recorde mundial: vacinou em um único dia 2,5% da população.
Em 2 de agosto, 13,8% dos equatorianos estavam vacinados com as duas doses. Um mês depois, o número chegava a 52%. Meta cumprida: metade da população vacinada, equivalente a 73% dos maiores de 16 anos.
Neste mês, começou a vacinar os maiores de 12 anos. A nova meta é chegar ao final do ano com 80% da população completamente vacinada e atingir a imunidade coletiva.
Agora, com 55% da população completamente vacinada, o Equador é o terceiro país da América Latina em vacinação. Fica atrás somente de Chile e Uruguai, com 73% cada um. Proporcionalmente, vacinou mais até do que os Estados Unidos (54%).
Adolescente recebe a primeira dose da vacina Pfizer contra a Covid-19 em uma escola particular em Quito, capital do Equador, em 13 de setembro de 2021
Rodrigo Buendia/AFP
Popularidade em alta
Só uma cifra subiu mais do que a de vacinados: a popularidade do presidente. Segundo a consultora em opinião pública Cedatos, Guillermo Lasso tem 74,1% de popularidade.
São 20 pontos a mais do que os 54% com os que foi eleito em abril e 10 pontos a mais do que em junho. E a razão para essa elevada cifra, segundo a Cedatos, é a campanha de vacinação.
“É uma cifra impressionante, atingida por dois motivos: porque vacinou muita gente de forma veloz e porque cumpriu com a promessa”, aponta Fernando Carrión, da FLACSO.
Esse capital político é a catapulta para o governo tentar o seu maior desafio: reformas estruturais que precisam passar por um Parlamento de maioria opositora.
Guillermo Lasso chega à Assembleia Nacional em Quito para tomar posse como novo presidente do Equador
Rodrigo Buendía/AFP
Lasso quer uma reforma trabalhista, uma reforma tributária, privatizações, a duplicação da produção petrolífera e uma nova fórmula para o reajuste no preço dos combustíveis. O objetivo é reativar uma economia que encolheu 7,8% no ano passado.
O governo prometeu enviar ao Parlamento um pacote de medidas sob uma mesma “Lei de Oportunidades Trabalhistas” ainda nesta semana, mas as chances dessas medidas serem aprovadas são mínimas.
“A força do governo nesse campo já não depende do apoio popular. Lasso não tem maioria no Parlamento. Os projetos seguramente serão rejeitados”, acredita Carrión.
Consulta popular
O presidente é um ex-banqueiro conservador, rejeitado pelas forças de esquerda e centro-esquerda, maioria no Parlamento unicameral (veja no vídeo abaixo).
Os governistas representam apenas 8,7% do total. São apenas 12 dos 137 legisladores. Poderiam chegar a 30 deputados se somassem os 18 independentes, um número ainda insuficiente.
VÍDEO: Guillermo Lasso toma posse como novo presidente do Equador
Com a maioria popular, mas com uma minoria no Parlamento, o governo se prepara para uma jogada audaz se o pacote de medidas for rejeitado: convocar uma consulta popular para saber o que a população pensa. Seria uma espécie de plebiscito sobre as medidas, mas também sobre o governo.
“Essa consulta seria ainda neste ano e teria dois objetivos: avançar com as reformas estruturais e reafirmar a popularidade do presidente”, analisa Fernando Carrión.
“As consultas populares terminam sendo menos sobre as medidas e mais sobre quem a convocou. Por isso, funciona como um plebiscito”, afirma o cientista político. “Com 74% de popularidade, Lasso ganhará. A consulta será aprovada”.
Ameaça dos movimentos sociais
A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) ameaça reeditar os violentos protestos de outubro de 2019 se o governo insistir com as reformas e com a nova fórmula de reajuste dos combustíveis. Os protestos contra o aumento nos combustíveis terminaram com 1,5 mil feridos e com seis mortos.
A Frente Unitária de Trabalhadores (FUT), principal central sindical do Equador, também ameaça uma volta às ruas se o governo insistir com a privatização de empresas públicas e com a alteração nas do mercado de trabalho.
Manifestante agita a bandeira do Equador durante protesto em 2019 contra as medidas de austeridade do então presidente equatoriano, Lenin Moreno, na capital Quito
Henry Romero/Reuters
Estudantes universitários também são contra o corte no orçamento para a Educação. Esses setores já fizeram dois protestos, mas não tiveram muita adesão. Somaram entre mil e 3 mil pessoas e acusam o governo de querer um ajuste nas contas públicas para cumprir com a meta do recente acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
O presidente Lasso nega. Argumenta que melhorou o acordo assinado pelo seu antecessor. Em vez de 2,5% de aumento nos impostos, o novo acordo exige 0,7% no ano que vem.
Ele também garante que não vai aumentar impostos, que já criou um imposto de 4% sobre os mais ricos e que o restante virá da reativação da economia, outra das suas promessas que o tempo dirá se também pode cumprir.
RELEMBRE:
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Fonte: G1 Mundo