Catástrofe de Esmirna: como Turquia expulsou gregos incendiando uma cidade há quase cem anos

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Em setembro de 1922, o bairro grego em Esmirna foi consumido pelas chamas em um dos golpes mais duros para a sobrevivência da comunidade helênica no extinto Império Otomano. Catástrofe de Esmirna: como Turquia expulsou gregos incendiando uma cidade há quase cem anos
Domínio público
No início do século passado, havia, na costa ocidental do que hoje é a Turquia, uma cidade majoritariamente grega banhada pelo Mar Mediterrâneo.
Esmirna era uma próspera cidade onde os turcos eram minoria. Representavam menos de um terço da população, formada majoritariamente por gregos cristãos. Ambos os grupos conviviam com comunidades menores de armênios e judeus.
O que seus habitantes não sabiam era que o multiculturalismo que caracterizava a metrópole deixaria de existir duas décadas depois — e que aquela cidade milenar passaria a se chamar Izmir, tradução para o turco do nome grego original.
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Em agosto de 1922, depois de vencer a batalha final de Dumlupinar na Guerra Grego-Turca, o Exército de Mustafa Kemal Atatürk — considerado o “pai da Turquia moderna” — deu um passo a mais na direção do objetivo de diminuir a influência helênica em Anatólia — a península na Ásia que compõe a maior parte do território da atual Turquia, também chamada de Ásia Menor.
A batalha de Dumlupinar, além de marcar o fim do sangrento conflito, que se estendeu de 1919 a 1922, representou o começo do fim da presença grega na Ásia Menor.
Milhares de refugiados correram para a orla de Esmirna em busca de refúgio quando a cidade estava em chamas
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Ao expulsar as forças gregas do que era o Reino da Grécia, Atatürk também começou a retirar uma grande quantidade de gregos étnicos, algo que depois se institucionalizou e foi denominado “o intercâmbio de populações entre Grécia e Turquia”.
Diante desse intercâmbio de população, estipulado pelo Tratado de Lausanne, de 1923, cerca de 1,5 milhão de cristãos ortodoxos gregos — muitos dos quais nunca haviam vivido fora do que é hoje o território turco — foram expulsos da região. Um número menor de muçulmanos foi deportado da Grécia para a Turquia.
Catástrofe de Esmirna
Um dos episódios mais obscuros do que alguns chamam, de forma polêmica, de “o genocídio grego” foi o incêndio de Esmirna, que ocorreu pouco depois, também conhecido como Catástrofe de Esmirna.
“Foi o maior golpe que já sofreu o helenismo e um dos maiores para o cristianismo”, disse à BBC Mundo Vasilios Meichanetsidis, coautor do livro The Genocide of the Ottoman Greeks (O Genocídio dos Gregos Otomanos), uma análise sobre a “campanha de extermínio” dos cristãos da Ásia Menor “patrocinada pelo Estado”.
Apesar de Atatürk ter sido um líder autoritário, a maioria na Turquia tem uma opinião favorável a seu respeito
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Meichanetsidis afirma que o incêndio de Esmirna foi um golpe inclusive mais poderoso que a queda de Constantinopla, em 1453, porque com ele “o helenismo e o cristianismo foram exterminados” do Império Otomano “por completo e para sempre”.
O incêndio começou na tarde de 13 de setembro — quatro dias depois que o Exército de Atatürk havia entrado em Esmirna, depois da saída das tropas gregas —, no bairro armênio da cidade (que agora se chamava Basmane). O fogo estendeu-se rapidamente devido ao forte vento que soprava naquele dia.
Além disso, segundo historiadores, as autoridades fizeram muito poucos esforço para apagar as chamas.
A destruição dos bairros grego e armênio
“Uma das primeiras pessoas a notar o início do fogo foi Minnie Mills. (…) Ela acabava de terminar seu almoço quando percebeu que um dos edifícios vizinhos estava em chamas. Ela ficou em pé para ver de mais perto e se surpreendeu com o que presenciou”, relata o historiador britânico Giles Milton em seu livro Paradise Lost: Smyrna 1922 (Paraíso Perdido: Esmirna 1922).
Minnie Mills, na época diretora do Instituto Americano para Meninas da cidade, disse ao autor que viu um oficial turco entrar em uma casa com pequenas latas de petróleo ou gasolina, e pouco depois a casa estava em chamas.
Ela não foi a única testemunha do instituto. “Nossos professores e meninas viram turcos com uniformes de soldados comuns e alguns com uniformes de oficiais. Eles usaram pedaços de pau grandes, com panos nas pontas que eles punham numa lata com líquido e que depois levaram às casas, que pouco depois estavam queimadas”, afirmou Mills.
A cidade de Esmirna em chamas em 14 de setembro de 1922
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No dia seguinte do início do incêndio, milhares de refugiados se reuniram nas docas de Esmirna buscando refúgio numa cidade que estava em chamas. Segundo historiadores, o calor do fogo era tão intenso que muitos temiam que os refugiados poderiam morrer.
“Durante toda a manhã, podia-se ver o brilho e depois as chamas da ardente Esmirna”, relata o tenente americano Aaron Stanton Merrill no livro Fires of Hatred (Fogos de Ódio), de Norman Naimark.
“Chegamos aproximadamente uma horas antes do amanhecer, e a cena era indescritível. A cidade inteira estava em chamas (…) Milhares de refugiados desabrigados iam e vinham no cais escaldante, prisioneiros do pânico até o ponto da loucura. Era doloroso escutar os gritos dilacerantes das mulheres e das crianças.”
O incêndio durou nove dias e destruiu completamente os bairros habitados por gregos e armênios. Os setores muçulmano e judeu não sofreram danos.
Existem diferentes relatos e informações sobre quem foram os responsáveis pelo incêndio.
Mas hoje a maioria dos especialistas concorda que os soldados turcos atearam fogo a residências e estabelecimentos comerciais gregos e armênios. Algumas fontes em favor dos turcos sustentam que foram os gregos e armênios que atearam fogo em seus próprios bairros para abalar a reputação turca.
‘A cidade tinha que queimar’
“Há controvérsias sobre o tema, mas a maioria dos historiadores, sejam eles ocidentais, gregos e inclusive turcos, agora admitem que foram as tropas de Atatürk. De acordo com a ideologia turca da época, a cidade tinha que queimar”, afirma Vasilios Meichanetsidis.
“Os turcos estavam determinados a criar um Estado moderno turco, onde não haveria minorias, todos seriam turcos, turcos muçulmanos. Inclusive os curdos viveram esse processo de ‘turquização’ dentro dessa ideia nacionalista”, acrescenta.
O Império Otomano era um império cosmopolita, multiétnico e multirreligioso, e para muitos “kemalistas” (como se chamavam os seguidores de Kemal Atatürk) essa foi uma das causas de seu desmembramento.
A ideia de Atatürk era convencer essas etnias e grupos religiosos diferentes de que seguiriam formando parte da República Turca sob o conceito de que havia somente uma etnia, no sentimento cívico da palavra, referindo-se à “turquidade”: a qualidade de ser turco.
Segundo Meichanetsidis, a queima de cidades e povos já ocorria na península de Anatólia havia dez anos.
“Os turcos chegavam a esses lugares, massacravam os armênios ou os gregos que encontravam e depois queimavam o lugar para evitar que algum refugiado pudesse retornar.”
Antes de seu incêndio, Esmirna era uma das cidades mais cosmopolitas do Império Otomano, com habitantes gregos, armênios, do Levante, judeus, turcos otomanos, ingleses, americanos e franceses, entre outras nacionalidades.
Era uma cidade que já não cabia na Turquia que estava por nascer.
Durante mais de 3 mil aos, os gregos haviam vivido no território que hoje corresponde à Turquia, e até os últimos dias do Império Otomano ainda havia uma importante comunidade helênica que dominava grande parte do comércio na Ásia Menor.
O processo para “turquizar” e islamizar uma cidade do tamanho de Esmirna não era nada fácil. Entretanto, a guerra greco-turca deu aos kemalistas uma oportunidade de ouro.
A herança grega: apagada ou transformada
Estima-se que, antes do incêndio de Esmirna, cerca de 2 milhões de gregos viviam em Anatólia.
Mas, depois do incêndio e especialmente depois do intercâmbio de populações em 1923 e dos Distúrbios de Istambul de 1955, a população grega foi reduzida dramaticamente.
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“Atualmente existem menos de 2 mil em todo o país. Em Esmirna há alguns poucos que se instalaram na cidade recentemente. Depois dos acontecimentos de 1922, passou a ser difícil para os gregos ficar em Esmirna”, afirma o historiador Vasilios Meichanetsidis, referindo-se à cidade que hoje se chama Izmir.
Muitos monumentos e lembranças da herança que os gregos deixaram na Turquia desapareceram ou foram transformados com o passar do tempo.
“Hoje existem muito poucas recordações do passado grego na Turquia, sobretudo em Esmirna, porque o incêndio devorou todo o bairro da comunidade nessa cidade.”

Fonte: G1 Mundo